28 de dezembro de 2011

Novena de Natal com as Crianças 2011


Nossa casa deve ser território bíblico, eucarístico e mariano, santuário de Deus. Nossos filhos devem sentir que a oração é algo corriqueiro em nossas vidas, em nossas casas. O Magistério da Igreja nos ensina que “que a família deve ser a igreja doméstica, pois é no seio da família que os pais são para os filhos, pela palavra e pelo exemplo… os primeiros mestres da fé” (Lumen Gentium § 11; Familiares Consortio, § 21). O Papa Bento XVI afirmou recentemente que “se não se aprende a oração em casa, depois será difícil preencher esse vazio”.
Vale a pena criar momentos especiais de oração em família, em especial no Advento e no Natal, época na qual os coraçõezinhos dos pequenos estão especialmente abertos. Que possamos enchê-los com o Cristo e sua Palavra, para que não se preencham com a ambição infantil dos presentes e a sedução do Papai Noel.
Assim sendo, partilho um esquema de como organizamos nossa Novena de Natal com as crianças esse ano, aqui em casa. O texto abaixo é um testemunho e uma proposta, pois percebemos que, quando se trata de crianças pequenas como os nossos filhos, o importante é fazer como for possível. Que essa vivência possa nos inspirar para continuarmos na luta para que nossa casa sirva sempre ao Senhor!

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1º DIA: A Anunciação



Acende-se uma vela natalina ou a vela da Coroa do Advento e todos cantam (A nós descei, Divina Luz, ou Deixa a luz do Céu entrar, ou outra música apropriada).

Sinal da Cruz

Exposição do Tema (Mamãe): Em nosso 1º dia de Novena vamos saber como é que Jesus foi parar na barriguinha da mamãe Dele, Nossa Senhora. Maria estava de boa, aí veio um anjo! Vamos ouvir a Palavra de Deus?

Leitura (de preferência feita por uma criança, aqui em casa a Clara, a mais velha): Lucas 1, 26-38

Catequese do Papai: Explicação espontânea da leitura para entendimento das crianças. Aqui meu marido faz com bastante interação, com perguntas e a participação das crianças. É importante que o esposo e pai tome seu papel de sacerdote do lar e que os filhos percebam no papai a figura do Papai do Céu.

Cântico: Mãezinha do Céu

*Coloca-se somente a imagem de Maria no presépio.

Orações (Todos juntos):  Pai Nosso, Ave Maria, Santo Anjo e Glória

Sinal da Cruz

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Testemunho: Minha experiência de Natal 2011


Para mim a vivência do Natal se inicia mesmo antes do Advento. Umas duas semanas antes do Advento, eu finalizo todas as compras de presentes de Natal. Evito ao máximo a multidão desesperada pelo consumo nos dias de Dezembro nos shoppings e comércios. A Bíblia diz  “foge à ocasião de pecado” (Eclo 17, 21-22) então não posso me dar ao luxo de ficar na frente de batalha das liquidações, saldões, consumo, gastos exacerbados, etc, etc. Procuro ser precavida com relação às ciladas das compras: faço uma lista, um roteiro, compro, volto e fim. E por mais que meu marido não concorde algumas vezes :) , busco sempre fazer o dinheiro render,  na tentativa de ser como a mulher virtuosa de que fala Provérbios 31, 18: “A mulher virtuosa alegra-se com o seu lucro, e sua lâmpada não se apaga durante a noite.” É preciso planejar com antecedência esses gastos de fim de ano para não 'ficar no escuro' no começo do ano seguinte com os gastos com impostos e materiais escolares, por exemplo.   

Nesses presentes procuro sempre incluir pessoas especiais, que colaboraram comigo durante o ano, como por exemplo professoras das crianças, médicos, funcionários ou prestadores de serviço, amigos especiais em geral. Não somos ricos e não há dinheiro para presentear todos, mas sempre dá para, com criatividade e carinho, preparar umas lembrancinhas, cartõezinhos, gestos simbólicos de afeto para pessoas distintas para demonstrar nossa gratidão pelo bem que nos fizeram.

Normalmente planejo a “Ceia” no mês de Novembro, embora deixe para comprar os ingredientes frescos no começo do mês de Dezembro. Nossa Ceia nunca é luxuosa nem copiosa, mas falo mais sobre isso logo abaixo.

Antes do 1º Domingo do Advento, procuro fazer também uma grande faxina, o mais abrangente quanto possível, em oração e na  caridade, nos moldes do Retiro da Boa Morte*. É impressionante a quantidade de objetos, sentimentos, emoções, pecados etc que acumulamos ao longo do ano. Nossa casa precisa ser um santuário! Nossa casa de tijolos e também a casa do nosso coração. É o momento que eu corro na minha paróquia e busco a confissão. É também o momento que eu abro cada gaveta, cada pasta, cada caixa e faço uma grande varredura. Encaminho os itens para doação e que realmente não for reaproveitável, faço o exercício do desapego e mando para o lixo. Eu sinto uma alegria simples e inexplicável quando a casa está arrumada e limpa, tudo no seu devido lugar, nada sobrando ou amontoado... “Como o sol se levantando sobre as montanhas do Senhor, assim é o encanto da mulher em sua casa bem arrumada.” Eclo 26, 21

Enfim, essa parte “material” do Natal, tento ao máximo finalizar antes do Advento, pois os dias do Advento, gosto de ‘gastar’ com outras coisas...

25 de dezembro de 2011

DEUS APARECEU COMO CRIANÇA




Homilia de Bento XVI durante a missa da noite de Natal de 2011

CIDADE DO VATICANO, domingo, 25 de dezembro de 2011 (zenit.org) – Apresentamos a seguir o texto integral da homilia pronunciada no sábado de noite na Basílica Vaticana por Bento XVI durante a Missa da Solenidade do Natal do Senhor 2011.
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Amados irmãos e irmãs!
A leitura que ouvimos, tirada da Carta do Apóstolo São Paulo a Tito, começa solenemente com a palavra «apparuit», que encontramos de novo na leitura da Missa da Aurora: «apparuit – manifestou-se». Esta é uma palavra programática, escolhida pela Igreja para exprimir, resumidamente, a essência do Natal. Antes, os homens tinham falado e criado imagens humanas de Deus, das mais variadas formas; o próprio Deus falara de diversos modos aos homens (cf. Heb 1, 1: leitura da Missa do Dia). Agora, porém, aconteceu algo mais: Ele manifestou-Se, mostrou-Se, saiu da luz inacessível em que habita. Ele, em pessoa, veio para o meio de nós. Na Igreja antiga, esta era a grande alegria do Natal: Deus manifestou-Se. Já não é apenas uma ideia, nem algo que se há-de intuir a partir das palavras. Ele «manifestou-Se». Mas agora perguntamo-nos: Como Se manifestou? Ele verdadeiramente quem é? A este respeito, diz a leitura da Missa da Aurora: «Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens» (Tt 3, 4). Para os homens do tempo pré-cristão – que, vendo os horrores e as contradições do mundo, temiam que o próprio Deus não fosse totalmente bom, mas pudesse, sem dúvida, ser também cruel e arbitrário –, esta era uma verdadeira «epifania», a grande luz que se nos manifestou: Deus é pura bondade. Ainda hoje há pessoas que, não conseguindo reconhecer a Deus na fé, se interrogam se a Força última que segura e sustenta o mundo seja verdadeiramente boa, ou então se o mal não seja tão poderoso e primordial como o bem e a beleza que, por breves instantes luminosos, se nos deparam no nosso cosmos. «Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens»: eis a certeza nova e consoladora que nos é dada no Natal.
Na primeira das três leituras desta Missa de Natal, a liturgia cita um texto tirado do livro do Profeta Isaías, que descreve, de forma ainda mais concreta, a epifania que se verificou no Natal: «Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros, e dão-lhe o seguinte nome: “Conselheiro admirável! Deus valoroso! Pai para sempre! Príncipe da Paz!” O poder será engrandecido numa paz sem fim» (Is 9, 5-6). Não sabemos se o profeta, ao falar assim, tenha em mente um menino concreto nascido no seu período histórico. Mas isso parece ser impossível. Trata-se do único texto no Antigo Testamento, onde de um menino, de um ser humano, se diz: o seu nome será Deus valoroso, Pai para sempre. Estamos perante uma visão que se estende muito para além daquele momento histórico apontando para algo misterioso, colocado no futuro. Um menino, em toda a sua fragilidade, é Deus valoroso; um menino, em toda a sua indigência e dependência, é Pai para sempre. E isto «numa paz sem fim». Antes, o profeta falara duma espécie de «grande luz» e, a propósito da paz dimanada d’Ele, afirmara que o bastão do opressor, o calçado ruidoso da guerra, toda a veste manchada de sangue seriam lançados ao fogo (cf. Is 9, 1.3-4).
Deus manifestou-Se… como menino. 

23 de dezembro de 2011

O ignorado Natal



Texto de E. Ramon (Fonte: Blog Vocacionados Menores http://migre.me/7gN08) 

Às vésperas de uma das festas mais importantes e solenes da Sagrada Liturgia, o Natal vem sendo ignorado ano após ano.
Dia desses eu ia em um ônibus a um lugar e não pude deixar de ouvir a conversa de duas moças:
- Pois é, menina! Chegou o Natal!
- Ah, eu nem ligo muito pro Natal. Eu gosto mais é do Ano Novo.
- Já eu não ligo pra nenhum e nem outro.
- É mesmo? Ah, eu não dou bola pro Natal porque não tem nada pra fazer neste dia. No ano novo a gente se agita mais.
- É, tem razão...
- Vou descer no próximo ponto. Tchau. Fica com Deus.
- Vai com Ele. Deus abençoe.
Confesso que fiquei intrigado. A primeira coisa que me veio à mente é: como alguém que não dá a mínima para o Natal roga a Deus que abençoe alguém?


22 de dezembro de 2011

O Filho de Deus nasce ainda "hoje"




Bento XVI reflete sobre o mistério do Natal durante a Audiência Geral desta quarta-feira
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 21 de dezembro de 2011(ZENIT.org) - Apresentamos as palavras pronunciadas pelo Santo Padre Bento XVI aos fiéis e peregrinos presentes na Aula Paulo VI, durante a Audiência Geral nesta manhã. No final da Catequese em italiano o Papa pronunciou um resumo da mesma em diversas línguas e saudou os presentes.

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Queridos irmãos e irmãs,

Tenho o prazer de recebê-los nessa Audiência Geral  a poucos dias da celebração do Natal do Senhor. A saudação frequente na boca de todos nesses dias é “Feliz Natal! Boas festas natalícias!”. Façamos isso de modo que, mesmo na sociedade de hoje, a troca de saudações não perca seu profundo significado religioso, e a festa não seja absorvida pelos aspectos exteriores, que essas toquem as cordas do coração. Certamente, os sinais externos são bonitos e importantes, desde que não nos afastem, mas ajudem-nos a viver o Natal no seu sentido verdadeiro, sagrado e cristão, de modo que também nossa alegria não seja superficial, mas profunda.

Com a liturgia do Natal, a Igreja apresenta-nos o grande mistério da Encarnação. O Natal, de fato, não é simplesmente o aniversário do nascimento de Jesus, é isso também, e é mais do que isso, é a celebração de um Mistério que marcou e continua a marcar a história do homem - Deus veio habitar em meio a nós (cf. Jo 1,14), tornou-se um de nós;  um mistério que afeta a nossa fé e a nossa existência, um Mistério que vivemos concretamente nas celebrações litúrgicas, sobretudo na Santa Missa. 

Qualquer um poderia se questionar: como poderia viver agora, este evento que aconteceu há tanto tempo? Como posso participar ativamente no nascimento do Filho de Deus que aconteceu há mais de mil anos atrás? Na Santa Missa de Natal, repetiremos no salmo responsorial: “Hoje nasceu para nós o Salvador”. Esse advérbio de tempo “hoje”, usado repetidamente em todas as celebrações de Natal, se refere ao evento do nascimento de Jesus e a salvação que a Encarnação do Filho de Deus traz. 

20 de dezembro de 2011

O Menino, o rei e o bom velhinho


Este texto do admirável Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, resume tudo o que me vem no coração quando medito nessa data! Em especial, o último parágrafo, me emociona: "Não havia lugar para eles". Que haja lugar em nosso coração para acolher este menino-Deus que nasce no Natal!


No Natal os cristãos comemoram o nascimento de Jesus Cristo. Aconteceu há cerca de 2 mil anos, quando ainda não se fazia registro do nascimento com lugar, dia e hora - isso é bastante recente. Mas quem duvidaria de que Jesus nasceu e existiu? Vinte séculos de testemunhos ininterruptos mantiveram viva sua memória, apesar das tentativas de apagar sua lembrança da História. Perseguições aos seus seguidores, regimes totalitários ou simplesmente movimentos culturais já se propuseram a eliminar, depurar ou passar para a posteridade de maneira distorcida o legado de Jesus Cristo para a humanidade. Não conseguiram.

Isso já começou logo que Jesus nasceu. Conta-nos o evangelista São Mateus que o rei Herodes, encarregado romano de governar a Judeia, ao saber que em Belém havia nascido um menino, procurado e admirado por gente de toda parte, ficou assustado e quis saber mais sobre o pequeno: era Jesus, filho de Maria, casada com José, o carpinteiro de Nazaré. Sábios e intérpretes das Escrituras Sagradas afirmavam ao rei que as profecias sobre o ressurgimento do reino de Davi apontavam para Belém e o futuro rei poderia ser esse mesmo, o pequeno que acabara de nascer. Herodes, enciumado e furioso, tentou eliminá-lo já no berço, mas não conseguiu: o bom José tomou o menino e sua mãe e fugiu com eles para o Egito. Enquanto isso, Herodes espalhava terror e luto em Belém e arredores, com a ordem para que todos os meninos abaixo de 2 anos de idade fossem mortos (cf. Mt 2).

Nos primeiros tempos do cristianismo, os cristãos comemoraram mais a Páscoa do que o Natal. O anúncio do Evangelho estava centrado, sobretudo, no significado dos padecimentos, da morte e ressurreição de Jesus, no início da pregação dos apóstolos e no surgimento prodigioso da Igreja. Aos poucos, porém, também foi incluída a reflexão sobre a origem de Jesus, seu nascimento e sua infância, que a Igreja comemora no Natal (cf. Mt 1-2 e Lc 1-2).

15 de dezembro de 2011

Ainda dá tempo de viver o Advento!

O YouCat, Catecismo Jovem da Igreja Católica, em seu número 185, explica o porquê da repetição anual da Liturgia:

"Tal como anualmente celebramos o dia do nosso nascimento, ou de casamento, também a Liturgia celebra, a um ritmo anual, os mais importantes acontecimentos salvíficos do Cristianismo. Todavia, com uma diferença decisiva: todo tempo é tempo de Deus. Memórias da mensagem e da vida de Jesus são simultaneamente encontros com o Deus vivo. O filósofo dinamarquês Sören Kierkgaard disse uma vez: << Ou somos contemporâneos de Jesus, ou é melhor deixar isso.>> Acompanhar fielmente o Ano Litúrgico faz-nos, efetivamente, contemporâneos de Jesus. Não porque entramos com o nosso pensamento ou até todo nosso ser no Seu tempo e na Sua vida, mas porque Ele, quando lhe dou espaço, entra no meu tempo e na minha vida com a sua presença que cura e perdoa, com a força explosiva da Sua ressurreição."

Estamos no Advento, um tempo que a Igreja nos ensina ser de espera e reflexão

Espera pois, como nos explica Santo Ambrósio (Abade, século XII), Deus vem a nós numa "tríplice vinda": a primeira se refere à Encarnação do Verbo no meio de nós (Jo 1, 14) que celebramos por ocasião do Natal; a última, à sua Vinda nos fim dos tempos, da qual podemos ver inúmeras metáforas nas parábolas evangélicas (cf. Mt 19 - 25) e a intermediária, que segundo o Santo, "é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação." Nesta, o Senhor "vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça." E ainda completa: "Para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). 

Penso que esta vinda intermediária é justamente estes encontros com o Deus vivo, que entra no meu tempo e na minha história de que fala o YouCat, é a contemporaneidade com Jesus que vem a nós todo santo dia, a cada oração, a cada abertura de coração.


Ele veio na plenitude dos tempos, enviado pelo Pai, nascido de uma mulher (cf. Gal 4,4), pisou nosso chão, veio na nossa carne, 100% Deus, 100% homem (exceto no pecado, cf. Fil 2, 6-7 e Heb 4, 15). Ele virá no fim dos tempos, junto aos louvores dos santos e coros dos anjos, sobre as nuvens, com poder e glória (Mt 24, 30). 


Entretanto, o que mais me encanta é que Ele vem todo santo dia ao nosso encontro, a cada abertura de coração, a cada oração, a cada missa que participamos, a cada passo, cada respiro, cada piscar... Ele não cessa de vir a nós por amor e, como analisou Santo Ambrósio, "esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação."


Vivamos esses dias que antecedem o Santo Natal esperando e refletindo sobre esse movimento eterno de Deus a nós: Ele veio ao encontro da humanidade no Natal, Ele vem a mim sempre, inclusive neste exato momento em que leio essas linhas. Seja Ele louvado pelos séculos dos séculos por tão grande amor por nós...

A porta aberta





Texto de D. Klaus Hemmerle sobre o Natal



 A porta aberta

«Hoje, Ele abre-nos de novo a porta para o esplendor do paraíso. 
O querubim já não está de guarda: 
ao Senhor seja dado o louvor, a glória e a honra!». 

Esta estrofe de um Lied do século XVI, num texto de Nikolaus Herman, é cantada, muitas vezes, na Missa da meia-noite, na noite de Natal. 

O versículo vem mesmo do coração do acontecimento do Natal. A porta estava fechada quando Ele bateu, incógnito e escondido no humilde ventre de sua Mãe. 

Agora é-nos proclamado: a entrada do paraíso já não é proibida; a porta foi aberta definitivamente.

Interroguei-me sobre qual seria o peso específico da nossa época,onde residiria a sua necessidade mais urgente, e lembrei-me desta antiga estrofe. 

Quantas vezes me foi dito: a porta está fechada; já não se pode entrar. Pensava nas preocuções de âmbito político, onde os poderosos ameaçam fechar-se no seu poder e os fracos na sua debilidade; na ânsia nos negócios; no receio de perder o emprego: está tudo fechado, não há nada a fazer; no receio pela Igreja; partidos e grupos preocupados pela ideia de que não se consegue modificar nada, que tudo esteja encalhado. 

E pensava nas pessoas que casualmente encontro, desesperadas por causa dos seus parentes mais próximos: pais que receiam não poder voltar a falar com os seus filhos; filhos que dizem que a porta já está trancada, o diálogo com os pais já está estragado. Pensava nos casais, nos amigos que dizem que a vida comum e a comunhão entre eles se bloquearam.

Nestas experiências todas percebe-se o eco de uma experiência ancestral da humanidade: a consciência de a porta do paraíso estar trancada; do facto de nos ter sido proibido o lugar que nos é mais propício, o habitat originário da nossa vida, que deixámos e do qual fomos expulsos. Assim, decidimos agarrar nós a nossa vida e fazer de Deus uma figura de segundo plano.

7 de dezembro de 2011

O amor deseja ardentemente ver a Deus



Vendo o mundo oprimido pelo temor, Deus procura continuamente chamá-lo com amor, convidá-lo com a sua graça, segurá-lo com a caridade, abraçá-lo com afeto.
Por isso, purifica com o castigo do dilúvio a terra que se tinha inveterado no mal; chama Noé para gerar um mundo novo; encoraja-o com palavras afetuosas, concede-lhe sua confiante amizade, o instrui com bondade acerca do presente e anima-o com sua graça a respeito do futuro. E já não se limita a dar-lhe ordens mas, tomando parte no seu trabalho, encerra na arca toda aquela descendência que havia de perdurar por todos os tempos, para que esta aliança de amor acabasse com o temor da servidão e se conservasse na comunhão de amor o que fora salvo com a comunhão de esforços.
Por esse motivo chama Abraão dentre os pagãos, engrandece seu nome, torna-o pai dos crentes, acompanha-o em sua viagem, protege-o entre os estrangeiros, cumula-o de bens, exalta-o com vitórias, dá-lhe a garantia de suas promessas, livra-o das injúrias, torna-se seu hóspede, maravilha-o com o nascimento de um filho que ele já não podia esperar. Tudo isso a fim de que, cumulado de tantos benefícios, atraído pela grande doçura da caridade divina, aprendesse a amar a Deus e não mais temê-lo, a honrá-lo com amor e não com medo.
Por isso também, consola em sonhos a Jacó quando fugia, desafia-o para um combate em seu regresso e na luta aperta-o nos braços, para que não temesse, porém, amasse o instigador do combate.
Por isso ainda, chama Moisés na própria língua e fala-lhe com afeto paterno, convidando-o a ser o libertador de seu povo.
Em todos esses fatos que relembramos, de tal modo a chama da caridade divina inflamou o coração dos homens e o inebriamento do amor de Deus penetrou os seus sentidos que, cheios de afeto, começaram a desejar ver a Deus com os olhos do corpo.
Deus, que o mundo não pode conter, como o olhar limitado do homem o abrangeria? Mas o que deve ser, o que é possível, não é a regra do amor. O amor ignora as leis, não tem regra, desconhece medida. O amor não desiste perante o impossível, não desanima diante das dificuldades.
O amor, se não alcança o que deseja, chega a matar o que ama; vai para onde é atraído, e não para onde deveria ir. O amor gera o desejo, cresce com ardor e pretende o impossível. E que mais?
O amor não pode deixar de ver o que ama. Por isso todos os santos consideravam pouca coisa toda recompensa, enquanto não vissem a Deus.
Por isso mesmo, o amor que deseja ver a Deus, vê-se impelido, para além de todo raciocínio, pelo fervor da piedade.
Por isso Moisés se atreve a dizer: Se encontrei graça na vossa presença, mostrai-me o vosso rosto (Ex 33,13.18). Por isso, diz também o salmista: Não me escondais a vossa face (Sl 26,9). Por isso, enfim, até os próprios pagãos, no meio de seus erros, modelaram ídolos, para poderem ver com seus próprios olhos o objeto de seu culto.
 (São Pedro Crisólogo, bispo, século V)